Dos arquivos do Obá Oriaté Miguel “Willie” Ramos, Ilarí Obá
Entre os Lukumi, Olokún é o orixá dos oceanos, donde toda vida se originou, e o zelador das suas riquezas e mistérios.[i][1] Como o oceano que oculta incontáveis mistérios, esta divindade é considerada um dos mais desconcertantes orixás do panteão Lukumi. Um provérbio do odu Irossun—o principal odu do dilogun em que Olokún se manifesta—enuncia que “ninguém sabe o que descansa no fundo do mar”. Por extensão, nenhum ser humano poderá alguma vez compreender verdadeiramente a magnitude e a força vigorosa desta misteriosa divindade.
Não há consenso quanto ao sexo de Olokún. Em algumas áreas da África Ocidental, Olokún é considerado masculino, ao passo que em outras é feminino. Esta controvérsia também chegou a Cuba. Em muitos pataki, Olokún é descrito como um rei em um palácio subaquático e com muitas esposas. Várias qualidades de Yemojá, Ajé Saluga e de Osun são todas consideradas mulheres de Olokún. E ainda, o renomado etnólogo cubano Fernando Ortíz cai nesta ambivalência quando descreve Olokún, tanto como “Senhor do Oceano” quanto uma “deusa” no mesmo parágrafo e na mesma página.[ii][2] Hoje em dia, tanto os Babalawôs, quanto os olorixás letrados, expostos à recente e massiva disponibilidade de literatura de antropólogos e outros estudiosos da cultura ioruba, insistem em que Olokún é masculino. Alguns olorixás insistem em que Olokún é assexuado, hermafrodita ou andrógino. Não obstante, as linhagens cubanas donde as principais tradições a respeito de Olokún se originaram, sustentam obstinadamente que este orixá é feminino. Esta controvérsia também se reflete nos cantos para Olokún e nos rituais associados com sua consagração.
A despeito da caridade geral e da boa natureza de Olokún, este orixá é uma força a ser temida quando contrariada. Um número de patakis se refere à ira de Olokún. Em um destes mitos, narrado no odu Ejiogbé Odi, descreve a insatisfação deste orixá com a maneira em que Olorun distribuiu os domínios entre os orixás. O argumento era que, desde que foi consignado a Olokún governar sobre os oceanos, e estes formam a maior parte do planeta, Olokún era mais poderoso que Olorun e assim era o Ser Supremo. Para demonstrá-lo, os oceanos começaram a criar ondas irrefreáveis e ominosas que tratavam de afogar a Terra e seus habitantes.
[1] Lukumi é a primeira designação pela qual o povo ioruba foi conhecido pelos estrangeiros, antes da adoção do termo Ioruba no século XIX. Lukumi (lucumí) é o termo aceito em Cuba. Através do texto, tenho utilizado o termo “Ioruba” para me referir tanto aos iorubas no continente africano, quanto de forma generalizada para as Américas. “Lukumis” teria sido utilizado para se referir especificamente à Cuba e aos primeiros registros coloniais nas Américas, que a eles se referem desta maneira, e à migração posterior a 1959 de olorixás cubanos para regiões das Américas e da Europa, onde a religião deitou novas raízes.
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