quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Casas de candomblé no Brasil e santeria em Cuba


Brasil – candomblé

Começarei dizendo que a cultura afro-brasileira encontrada no Candomblé, tem as mesmas raízes da tradição de OSHA praticada em Cuba, obviamente com todas as  particularidades sociais e territoriais de cada um dos países.
                         No Brasil, podemos encontrar nações NAGÔ, JEJE, ANGOLA e YESHA, divididas em TERREIROS, ilês ou casas religiosas, que são lugares onde se realizam as iniciações e as cerimônias religiosas. Essas casas também são focos de resistência cultural e núcleos de agrupamento das diferentes comunidades.
                         Através de dados históricos colhidos, verificamos que, no século XVII, ANGOLA e CONGO foram os maiores fornecedores de escravos, motivo pelo qual os negros Bantos se fixaram ao longo da costa brasileira.
                         No final do século XVII e início do século XVIII, chegaram ao Brasil numerosos grupos de negros da costa africana: DAUMEJANÓS, NAGÔS E AÚKAS. Se analisarmos esta chegada, relativamente recente, explicaremos, em parte, o predomínio de seus descendentes na região da Bahia, que detinha o monopólio devido às estreitas relações dos escravistas com os reis  de DAOMÉ, hoje Benin. De toda esta concentração de nações (YORUBA, EGBA, IJESHA E KETÓ, em particular) provém a importância do modelo NAGÓ e a posterior evolução da religião Afro-brasileira.
                         No Brasil, em função dessa diversidade de grupos, existe uma grande variedade cultural. Baseado nisso, BASTIDE ( grande pesquisador desse tema) escreveu: “ A África enviou para o Brasil criadores e agricultores; homens do bosque e da planície; conhecedores de arquitetura de casas redondas e outros de casas retangulares; de civilização teutônica matriarcal e outras patriarcal; negros conhecedores de grandes reinos e outros  de organizações tribais; negros oriundos de pequenas comunidades isoladas e outros já doutrinados; porém todos participantes de sistemas religiosos.”
                         O CANDOMBLÉ, independente da obrigatória influência católica, mantém hoje, mais viva do que nunca, a influência indígena, a ponto de existirem casas de CANDOMBLÉ de  CABOCLOS. Esta influência, que se iniciou onde a tradição indígena era mais forte (Norte e Nordeste do Brasil) misturou o culto aos espíritos de caboclos e seus deuses aos elementos de origem BANTO e aos santos católicos, dando origem ao CANDOMBLÉ de CABOCLOS em todo Nordeste, inclusive Salvador, apesar de lá serem mais numerosos os CANDOMBLÉS tradicionais, que são os que quero analisar.
                         Apesar das diversas pesquisas, não se conhece com exatidão, quando o culto começou a se organizar em casas de CANDOMBLÉ. Há referências escritas que, desde o século XVII, a Igreja, preocupada com a existência da prática dos cultos africanos, apelava, com muita insistência, aos negros batizados.
                         Também aparecem dados que em 1768, em Pernambuco, instaurariam-se  inquéritos contra as casas que praticavam o culto e que tinham sido organizadas por negros que habitavam Minas.
                         Na região da Bahia, há informações que, em 1826, em MATAS DE URUBU em Pirajá,  se formou um QUILOMBO, local onde os escravos fugitivos se organizavam, que era mantido e apoiado por uma “casa de feitiçaria” chamada CANDOMBLÉ.
                         Muitas pessoas já buscaram a origem da palavra CANDOMBLÉ, porém, até o momento, não existe informação exata. A etimologia mais provável é “lugar de dança”, mas na maioria das regiões de influência baiana, dá-se o significado “grandes festas públicas do culto YORUBÁ”.
                         Em 1835, a cidade de Oyó, capital da nigeria, foi invadida e arrasada. Nesta mesma época, surgiram as grandes casas tradicionais, que se conhecem até hoje. Muitos estudiosos concordam que pode ter sido uma coincidência de datas, porém é muito provável que importantes sacerdotes e príncipes tenham sido vendidos como escravos, chegaram à Bahia e reconstruíram “seu mundo” no Brasil.
                         É importante frisar que os primeiros templos foram organizados nas zonas urbanas. Na Bahia, o primeiro grande templo foi constituído em Salvador, perto de uma igreja chamada “Igreja de Barroquinha”. Conta-se que um grupo de mulheres voluntariosas, de origem Ketó e já libertas da escravidão, pertencentes a “Irmandade Nossa Senhora da Boa Morte”, decidiram fundar um TERREIRO de CANDOMBLÉ chamado “IYA OMI ASHE AIRA INTILE”, sendo o primeiro templo que  tem toda sua história registrada. Posteriormente, ele foi transferido para fora de Salvador, para o Engenho Velho, e é considerado a “casa-mãe” de todos os CANDOMBLÉS tradicionais.  
                         Durante este período, devido a paulatina libertação dos escravos  que aqui viviam, começaram as “visitas” de brasileiros à África. Desta forma, aprofundaram conhecimentos religiosos e deram início ao comércio de artigos para a pratica do culto.
                         Dentro desse processo, se destaca a mãe-de-santo “IYA NASSÓ” e uma de suas filhas-de-santo MARCELINA DA SILVA, que a sucedeu no cargo. Esta sucessão deu origem a uma “guerra de santo”. Quando há a necessidade de sucessão, dentro da tradição, é costume que a mãe-pequena (IYA KEKERÊ), ajudante da mãe-de-santo, a substitua. Porém, é necessário que o ORÁCULO confirme o fato e isso nem sempre acontece, além disso, à desconfiança de como foi interpretada a mensagem pelos adivinhos pode dar início a uma “guerra”.
         E foi isso que ocorreu, no século XIX, no templo de MÃE NASSÓ. Um grupo, descontente com a decisão de sucessão, tornou-se dissidente e fundou outra casa, num subúrbio de Salvador, chamado CANTOIS, dando origem a outra casa ilustre – a SOCIEDADE DE SÃO JORGE DO CANTOIS , que em YORUBA  e “ILÊ IYA OMI, ASHE IYA NASSÓ”. Nesta casa, a sucessão  do cargo da IYALORISHA se dá de forma dinástica. A neta da fundadora PULQUERIA foi uma notável personalidade, que muito impressionou aos seus contemporâneos. Esta senhora, chamada ESCOLÁSTICA MARIA DE NAZARÉ, nasceu em 1922 e se tornou conhecida como a grande “MÃE MENININHA”. Dirigiu o CANTUA durante anos e foi a “decana” das mães-de-santo da Bahia e uma das maiores autoridades religiosas, até sua morte.
             Da casa de “IYA ASHE NASSÓ”, que continuou gozando de grande prestígio, nasceu outro grande Ilê, chamada “ILÊ ASHE OPÓ AFONJÁ”, significa “CASA CUJA FORÇA VEM DE SHANGÔ”. Este templo foi fundado por EUGÊNIA ANA SANTOS, “MÃE ANINHA”, e passou a ocupar o terceiro lugar em importância. Desses três templos, fundados na Bahia, saiu a história das casas de CANDOMBLÉ.
             Os TERREIROS, como são chamados freqüentemente representam, no meu entender, os verdadeiros núcleos que unem e organizam sociedades e que, através da constante adoração a diferentes entidades sobrenaturais, se mantêm como centros de cultura africana.

Cuba – Santeria e Ifá

             A história religiosa em Cuba está marcada, desde seu início, pela chegada dos escravos que formaram as chamadas “RAMAS DE OSHA” (SANTERIA).
             As diferentes ramas de santo, em sua maioria, foram fundadas em MATANZA, parte ocidental da ilha, local onde se concentrou o comércio de escravos por possuir, na época, um porto de grande porte e  o mar com a profundidade necessária para que os navios atracassem.
             Estas ramas de santeria, apesar de possuírem seu zelador principal, sempre receberam orientação de seu padrinho de IFÁ, ou seja, um BABALAWÔ. Isto acontece em Cuba porque o primeiro passo dentro da cultura é a consagração em KOFA ou AWOFAKAN, acompanhada do assentamento dos orixás guerreiros, que são ELEGWA, OGUN, OXOSSI e OSSUN.
             Nesta iniciação,  organizada e dirigida por BABALAWÔS, os recém iniciados recebem seu ODU de IFÁ, que, através da análise do conteúdo dos livros sagrados e de suas histórias (patakins), descreve o passado e o presente e, ainda, prevê o futuro do iniciado. Isto dá, à pessoa que se inicia na religião, a possibilidade de saber quem são seus orixás, se deve ou não ser consagrado e, o principal, o caminho a seguir.
             Os BABALAWÔS, em Cuba, inspirados no trabalho iniciado por um africano chamado Remigio Herrera (ADECHINA OBARA MEJI), formaram as diferentes ramas de IFÁ, que são mantidas pelos diferentes sucessores.
             Destas ramas, as principais foram:
- IFABI (formada por Francisco Villalonga, cujo signo era         OGUNDA KETE e  que era representada por Angel Villalonga, do signo de OGUNDA LENIN)
·         a formada por Remigio Herrera (ADECHINA) cujo signo era
OBARA MEJI e representada por Fernando Molina que tinha o Odu BABA EYIOGBE
·          a de NO KARLO ADEBI, do signo OJUANI BOKA, e representada por Angel Padrón, do signo de BABA EYIOGBE
·         a de Pericón Pérez, do signo OBEYONO, e representada por Alejandro Domingues (OSACULEYA).
         Acredito ser  de grande importância explicar-lhes que, apesar da formação dessas ramas, as iniciações em ORIXÁ e em IFÁ se realizam em casas, pois não contamos com terreiros conforme os que existem no Brasil. Mesmo sendo realizadas em residências, estas cerimônias são dirigidas, organizadas e inspecionadas pelos mais antigos e experientes de cada uma das ramas.
             A reunião mais importante, na qual estão presentes quase todos, ocorre uma vez por ano e é chamada LETRA DO ANO que, segundo  dados, iniciou-se no final do século XIX. Documentos revelam que BABALAWÔS, pertencentes a diferentes ramas, reuniram-se para realizar, com muita responsabilidade, as cerimônias necessárias para a abertura da LETRA DO ANO, o que vem acontecendo (todos os anos) no mês de dezembro.          
             Nesta reunião, através do ORÁCULO DE IFÀ, se faz conhecer as diferentes orientações e conselhos que se devem ter em conta durante o ano. Com isso, podemos evitar e vencer os diferentes problemas e dificuldades.
             Esta cerimônia vem sendo realizada no Brasil pela Sociedade de Ifá, presidida por mim, assim como em outros países  (Panamá, Venezuela, Porto rico, Estados Unidos e Itália).
             Vejo com muita satisfação que cerimônias como esta, que tiveram origem na África e foram incorporadas por BABALAWÔS cubanos, frutifiquem em varias partes do mundo.
             A História tem demonstrado que muitos dos elementos tradicionais foram resgatados por nosso povo religioso. Elementos que têm sido conservados e revitalizados e, por sua aceitação popular, já fazem parte de nossa cultura e da identidade nacional.
           


IFÁ tem rompido fronteiras de forma espontânea sem afetar de maneira nenhuma as religiões nativas. Ao contrário, tem sido um complemento de grande importância devido à sua gama de informações e cultura, caracterizando-se sempre por não menosprezar as demais religiões.
             O oráculo de IFÁ, na medida em que seja aceito pela relação CANDOMBLÈ-IFÁ, se destacará, principalmente, por sua profundidade na área especializada da filosofia do ODU de IFÁ. Esta analisa os fundamentos morais e espirituais do culto YORUBÁ, estudando as relações entre IFÁ e o homem, entre “ser” e “dever ser” e entre o BABALAWO e seu consulente.  Além disso, trata da legitimidade dos sacrifícios, colocando-os como expressão do espírito objetivo, cuja aquisição de auto-consciência trará a agradável sensação de liberdade e equilíbrio.
             Nossa Sociedade incentiva a aproximação de todos os adeptos do culto afro, seja CANDOMBLÉ ou IFÁ, sem conseguir, até o presente momento, grandes resultados. Muitas vezes, a esta direção se opõem valores humanos com tendência absolutista.
             Acreditamos que seria importante observar que ao rechaçarmos (a unificação e o bom entendimento) estamos concorrendo para o surgimento de sérios problemas, que não afetarão apenas a uma pessoa, grupo  familiar ou religioso, mas afetarão nossa própria religião, que, devido à sua força, faz parte de nosso patrimônio.
             Por tudo isso, respeitá-la e preservá-la é nosso dever.

QUE OLOFIN NOS PROTEJA!

IBORU, IBOYA, IBOSHESHE.


Texto de

Rafael Zamora Díaz 

Oni Shango, Oba Koin. 

Awo de Orumilá, Ogunda Kete.

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