por Antonio Gomes da Costa
Neto2
RESUMO
O artigo aborda a partir de pressupostos lingüísticos nas
comunidades religiosas afro-brasileiras no Brasil. Analisa os fundamentos das
línguas africanas faladas no Brasil. Estabeleceu convenções de escrita nas
comunidades religiosas afro-brasileiras. Observou o léxico nos Candomblés.
Realizou-se através de pesquisa etnológica e lingüística. Propõe uma revisão
sobre os estudos sobre a influência do falar africano nos cultos
afro-brasileiros.
Palavras-chave:
Candomblé; Lingüísticos; Religiosas; Afro-brasileiras; Língua; Africana;
Léxico; Cultos.
.
Introdução
O presente artigo tem como proposta apresentar as estruturas de
linguagem praticadas pelos membros das comunidades religiosas afro-brasileiras,
dos quais os pesquisadores designaram como língua-de-santo3.
Utilizar-se-á as denominações: Candomblés das nações Angola4, Queto5 e Jeje6 e
Omolocô7,
apesar da existência de demais
1 Este artigo é um
segundo desdobramento do Trabalho de Conclusão de Curso “A Linguagem no
Candomblé: uma visão sobre a cultura africana nos terreiros de Candomblé do
Distrito Federal”, apresentada no Curso de Letras do UniCEUB, defendida e
aprovada em junho de 2006.
2 Lingüista; Dirigente
e Sacerdote do Axé Daomé, Cruzeiro, Distrito Federal; Pesquisador sobre cultura
e religião afro-brasileira; Membro do terreiro de Tambor-de-Mina Tenda Espírita
Só Deus Pode, na cidade de São Luís, estado do Maranhão, dirigido pela saudosa
Sacerdotisa Vodunce Maria José Pinto (1938-2001); atualmente vinculado a
Sacerdotisa Vodunce Bernadete Gomes, em São Luís do Maranhão.
3 Refere-se aos falares
rituais utilizados no cotidiano das comunidades religiosas afro-brasileiras.
4 Falantes da variação
lingüística do Quimbundo, Quicongo e Umbundo.
5 Falantes da variação
lingüística do Iorubá.
Para os estudos lingüísticos, inicialmente apresentam-se os
trabalhos de Mendonça (1935) ao traçar um perfil de línguas africanas e sua
influência no português do Brasil. Esse autor mantêm a divisão já proposta
anteriormente por Nina Rodrigues (1906).
Adotar-se-á no decorrer deste trabalho como modelo de escrita às
palavras já incorporadas ao nosso léxico da língua. Para os vocábulos que ainda
não tenham entrada em dicionário português e brasileiro, buscar-se-á a grafia
em dicionários de língua africana tratados nesse artigo.
Para a realização do trabalho, foi necessário estabelecer algumas
premissas, tendo em vista que o foco se daria sobre a influência das línguas
africanas no português falado no Brasil e, como conseqüência, os aspectos
lingüísticos sobre os Candomblés.
Acerca dos fenômenos lingüísticos que permeiam a cultura africana
no Brasil, faz-se necessário explicar que se constituiu na maior dificuldade
encontrada. Essas pesquisas foram realizadas no início do século passado, além
de poucas, e de difícil acesso, constituem material de falta de interesse
científico.
Pesquisas foram realizadas em bancos de dados de teses e
dissertações das Universidades Federais, oportunidade em que se constatou que
as pesquisas científicas voltavam-se quase que exclusivamente sobre os aspectos
religiosos do Candomblé em detrimento das línguas africanas.
Em razão do que a pesquisa foi dividida entres áreas:
Antropologia, Sociologia, História, e Aspectos Culturais, Lingüística.
Representando a maior parte das fontes de referência sobre a cultura, religião
e línguas africanas.
Reagrupou-se o material na tentativa de se propiciar melhor
desempenho para o desenvolvimento do presente trabalho, além de sempre que
necessário recorreu a outras fontes de pesquisas etnológicas.
6 Falantes da variação
lingüística Éwe ou Fon.
7 Falantes da variação
lingüista do Quimbundo e Português.
Histórico
Para
se entender a dimensão do que significa a influência religiosa dos africanos no
Brasil, observa-se que a partir dos grupos afro-lingüísticos cujas palavras
foram incorporadas ao Português falado no Brasil estabeleceu-se ciclos de
transferências dos povos negros oriundos da África em direção ao Brasil; seus
números aproximados, em estatísticas aduaneiras subsistentes, estão muito bem
apresentados por em quatro grandes ciclos, citado por Costa Neto8 (2007).
Far-se-á
necessário estabelecer normas de grafia como fonéticas, uma vez que, para a
presente pesquisa é recomendável conhecer origens, aspectos fonéticos e
sintáticos das línguas sob investigação. Os grupos lingüísticos Quimbundo,
Iorubá9 e
Éwe10,
que são apontados como de maior influência no Português falado no Brasil. Vê-se
hoje largo emprego do léxico em rituais de Candomblé, tantos nos de origem
bantos, como nagôs e jejes.
Convenções
de Escrita
O
primeiro grande grupo lingüístico aportado no Brasil, o Banto ou Bantu,
que é o falado nas nações de Candomblé de Angola e Omolocô, cuja origem é
designada de Probanto. Com efeito, são as línguas faladas nos
territórios de Angola, o Quimbundo, das tribos de Luanda e Norte; o Umbundu,
do Centro de Angola; e os Bundas nos Luchases; Valente (1964), das quais
são as mais incorporadas ao léxico religioso no Brasil, ressalte-se também a
existência de diversos outros dialetos bantos africanos, que por certo
influenciaram o português falado no Brasil, como bem assevera Lopes (2003b).
Inicialmente
tratar-se-á do Quimbundo, cujos grafemas classificam-se em vogais e consoantes;
além de serem os mais utilizados nos Candomblés, seus sons da língua
8 O
artigo encontra-se disponível no site:
http://www.palmares.gov.br
9 Língua
largamente utilizada nos territórios da Nigéria, apesar do Francês ser o idioma
nacional.
10 Língua
utilizada no antigo Daomé, atual Benin.
exprimem-se pelo alfabeto Português, e
está assim representado11:
a b d e f g h i
j k l m n o p r s t u v x z
Suas
vogais soam como no Português, usar-se-á como referência, o modelo adotado nas
gramáticas de Maia (1955b):
a: é sempre
aberto, como na palavra pato;
e12: pode ser
aberto, como o /é/ de pé, ou fechado, como o /ê/ de dedo, quando
seguido das consoantes /m/ ou /n/, desde que não sejam puras;
exemplos: henda (misericórdia), mesma (água);
i13: soa sempre
como em Português;
o: é sempre
aberto;
u14: soa sempre
como em Português.
Em
relação às consoantes, ainda, de acordo com Maia:
g: nunca tem o
valor de /j/ mesmo que antes de /e/ ou /i/. Assim, ndenge,
irmão mais novo, soa [ndengue]. Portanto o /g/ sempre gutural, no
mesmo entendimento (Quintão:11);
k: esta letra
substitui todos os casos o /q/ da Língua Portuguesa e bem assim o /c/
antes de /a/, /o/, /u/;
m
e
n15:
servem para nasalar, como em Português, mas mais levemente, as vogais
11 Cf.
(Maia s.d.a:8; Maia, 1964d:3) e (Quintão, s.d.:11)
12 José
Luiz Quintão (s.d.), em sua gramática de Kimbundo, traz a observação de que [e]
(breve) na pronúncia rápida, antes de vogal soa como [i], exemplos: pange
ami = pangiami, em que o autor traduz como meu irmão.
13 (Quintão,
s.d.:11), indica que o [i] seguido de uma vogal e formando sílaba com
ela, é semivogal e funciona como consoantes. As exceções são marcadas com
acento aguado: kizúa, ngejía.
14 Idem,
seguir o mesmo exemplo do [i].
/a/ /e/ /i/
/o/ /u/, quando seguidas de outra consoante. Como: ambote,
bom;
h16: é sempre
aspirado. Assim, henda (misericórdia) soa quase como [guenda];
s17: soa sempre
como /ç/ ou /ss/ e nunca como /z/ como acontece Português.
Assim: ku-tundisa (fazer sair) soa [ku-tundissa]. Tem ainda às
vezes o valor de x quando está antes do /i/. Assim: simbu (tempo)
soa [ximbu];
d, g, j,
z, b, v: quando iniciam substantivos, geralmente são
sempre precedidas de /m/ ou /n/, e são proferidas numa só emissão
de voz. Assim: mbâ-mbi (frio);
l, r, d,
t, p, b, k: são trocadas umas pelas outras com muita
facilidade.
Chama-nos
a atenção a afirmação de (Quintão, s.d.:12) em relação ao r ou ri (nunca
sem o i), que equivale em Luanda a ri brando, com aproximação a di,
com a aproximação a ri brando, sugerindo naquele compêndio a
substituição sempre do som representado por ri, empregado di.
Já
em relação a acentuação, Maia (1964d:6) assim se manifesta:
“Os
acentos ou sinais diacríticos usados são apenas o agudo e o circunflexo que
servem para mostrar o acento predominante na palavra18,
indicando este também a duplicação de vogais;
As
sílabas (sons pronunciados com uma só emissão de voz) das palavras do Quimbundo
são pronunciadas todas com tal clareza que à primeira vista parece nenhuma
estar acentuada;
Há
porém, sílabas acentuadas dentro das palavras, o que só se pode aprender a
fazer e a distinguir com o uso e prática da Língua;
Por
isso, os vocábulos de Quimbundo podem ser como em Português, formados de uma só
sílaba – monossilábicos -, de duas – dissilábicos -, ou mais – trissilábicos
15 Ibidem,
informa serem puras, quando seguidas de vogal e formando sílaba com ela; são
nasais, quando seguidas de outra consoante, e nasalam esta e nunca a vogal
antecedente.
16 (Quintão:12)
acrescenta nunca ser mudo, exceto na combinação com a nasal /n/, que tem
o som de [nh] português, [gn] francês, de [ni]
representado por Chatelain e [ny] com que muitos escritores de língua
Banto representam este som.
17 Idem,
em relação a pronúncia, faz ressalva que mesmo entre vogais.
18 Afirma
o autor que o acento tônico ou predominante é a maior intensidade com que uma
sílaba é proferida numa palavra.
ou polissilábicos -.19”
Por
sua vez, Quintão (s.d,:12), faz algumas anotações acerca do tema:
“todas
as sílabas terminam em vogal e nunca em consoante; m e n precedendo
consoante, devem-se escrever-se e pronunciar-se como a consoante, exemplos: [ambula]
= [a-mbu-la]; [imvo] = [i-mvo];
au, ai, eu,
ou, finais, contam-se por duas sílabas;20
o
acento tônico recai sempre na penúltima sílaba;
servem
para indicar as exceções à regra geral e para distinguir um vocábulo de outro
seu parônimo.”
O
Segundo grupo lingüístico a ser pesquisado, dos chamados Sudaneses,
pertencentes aos falantes da nação do grupo da nação de Queto, cujo Iorubá é o
mais falado em território brasileiro, tem sua origem, conforme Verger (1996) na
cidade de Ifé.
Em
relação ao Iorubá, comumente falado nas comunidades religiosas afro-brasileiras
do Brasil, Sachnine (1997), assim define seu alfabeto:
a
b d e e f g gb h i j k l m n o o p r s s t u w y
Dessa
forma, não existem os grafemas C, Ç, Q, V, X e Z.21
Em
relação as vogais, que podem ser tonais, pronunciam-se dessa forma22:
19 O
mesmo autor relata quanto à acentuação serem oxítonas, como omungó;
paroxítonas, como munjina; ou esdrúxulas ou proparoxítonas, como mbêmbua.
20 Como
exemplos: [a-u]; [a-i]; [e-u]; [o-u],
dessa forma, não há letras dobradas.
21 Autores
como (Ayohómidire, 2003), (Oliveira, 1993:5), (Portugal Filho, 1988:36)
ratificam a mesma linha de pensamento. Por sua vez, (Verger, 1988h:17), (Povoas,
1989:13) e (Capone, 2004:9), são silentes quanto a informação, e não fazem uso
em suas obras.
22 No
mesmo sentido: (Verger, 1988h:17); (Povoas, 1989:13); (Capone, 2004:9);
(Beniste, 1997a:12); (Oliveira, 1993:5), (Portugal Filho, 1988:36); (José da Silva,
1994:23).
a: como [a];
e: como [ê] em
cedo;
e: como [é] em
mel;
o: como [ô] em
bolo;
o: como [ó] em
corda.
Deve-se
levar em consideração em relação as vogais que o tem o som de
[an]; e quando as vogais nasais utilizam do fonema [n] tem o objetivo de dar um
som mais nasal, Verger (1988h:17) acrescenta o fato de uma vogal após o fonema
[m] e [n] passa a ser nasalizada.
Com
relação as consoantes, assim se pronunciam23:
b: como [bi];
d: como [di];
f: como [fi];
g: como [gui];
gb: como [gbi];24
h25: como [hi];
i: como [i];
j: como [dji];
k: como [ki];
l: como [li];
23 idem.
24 Nesse
aspecto encontramos algumas diferenças, (Verger, 1988h:17) aponta para uma
pronúncia [gbhi], os demais autores utilizam do recurso da pronúncia do /g/
e /b/ de forma simultânea.
25 Verger
(1988h:17) aponta como aspirado; Povoas (1989:13) diz ser aspirado, nunca mudo.
m: como [mi];
n: como [ni];
p26: como [pi];
r: como [ri];27
s: como [si];
s: como [xi];
t: como [ti];
w: como [wi]28 no inglês;
y: como [ii].29
Os
acentos ou sinais diacríticos no iorubá são utilizados sobre as vogais com a
intenção de dar o tom correto às palavras e seu uso deve ser aplicado de forma
correta e coerente a fim de evitar transtornos para os ouvintes como seus
falantes, como bem alerta Ayoh’omidire30 (2004:49) para as possíveis
confusões advindas com diferentes interpretações.
Dessa
forma, os acentos podem ser:
(i) acento agudo
para marcar e indicar uma entonação alta, representado graficamente pelo
símbolo (´);
26 Optamos
por utilizar a transcrição fonética fornecida por Verger, porém Beniste
(1997a:12) oferece [kpi] e José Silva (1994:23) utiliza o fonema [pui].
27 Verger
(1988h:17) informa ser brando, como em [para], o mesmo em Povoas (1989:13).
28 Mais
uma vez optar-se-á por Verger (1988h:17), mas Beniste (1997a:12) narra ser a
transcrição fonética [ui]; Povoas (1989:13) como [u].
29 Póvoas
(1989:13) foneticamente afirmar ser apenas [i].
30 É
bom precisar desde já que os sinais de tonalização em iorubá não funcionam do
mesmo modo que os acentos usados nas línguas da família indo-européia. É
imprescindível marcar essa diferença de uso porque o contrário levará não
somente a problemas de incorreção fonética, mas pior ainda, a infelicidades
semânticas desde que o idioma é repleto de pares múltiplos de alomorfes, ou
seja, palavras que têm a mesma grafia, mas cujas distinções fonéticas
individuais são garantidas pelos sinais de tom, sendo que cada alomorfe possui
sentido diferente dos demais que, às vezes, podem até revelar puros antônimos.
(ii)
acento grave para marcar e indicar uma queda ou tom baixo de voz, representado
graficamente pelo símbolo (`);
(iii) sem
acento, indica um tom médio ou voz normal.
Outro
fenômeno relacionado a acentuação diz respeito ao til (~), que Beniste
(1997a:12) aponta como utilizado em textos antigos para indicação de uma vogal
longa, posteriormente abolido, passando tão-somente a indicar uma alongamento
da vogal pronunciada, ou como Oliveira (1993:6) afirma ser a repetição de
vogais.
Mais
uma observação deve ser levada em consideração acerca da utilização do sinal de
pontuação embaixo das letras o, e, e s que possuem
a intenção de produzir um som aberto para as duas primeiras, enquanto para o s
produzirá o mesmo som que [ch] como em [chave].
O
terceiro grupo lingüístico, o Éwé, a língua litúrgica falada nas comunidades
religiosas afro-brasileiras na chamada nação Jeje, e por questões de melhor
compreensão dos leitores, constitui a família da língua do povo Ewe.
Adotar-se-á o modelo descritivo de Rongier31 (2004) como uma língua
proveniente do grupo Kwa das famílias das línguas do Niger-Congo, mais falada
principalmente no Togo por cerca de dois milhões e novecentos mil pessoas
naqueles territórios, inclusive por outras etnias existentes, inclusive com sua
variante
31 O
Ewe faz parte do grupo Kwa da família das línguas denominadas Níger-Congo que
se estendem desde o Senegal até Oceano Índico e ao norte de Kalahari. O Ewe é
falado do sul do Togo até arredores de Atakpamé, e do sudeste de Gana até o
Lago Volta. No Togo, calcula-se uma população de cerca de 5.000.000 de
habitantes em 2004, aproximadamente 2.900.000 são Ewe, mais estima-se que a
língua Ewe é falada por mais de 3.200.000 habitantes, visto que, ela é
utilizada por outras etnias do Togo (Mina, Guin, Ouatchi, Adja, Akébou,
Akposso, Ahlon). O dialeto variante mina, tornou-se a língua popular em Lomé,
constitue em uma língua veicular por todo o país.
Em Gana existe cerca
de 3.000.000 de Ewes. A língua ali é ensinada em várias escolas primárias.
Enfim, o Ewe é a língua falada ainda menos compreendida entre as etnias do
Benin (650.000 Pla, Péda e Mina e 780.000 Adja) e é a língua mais ou menos
compreendida pela etnia Fon.
É a língua mais importante do Sul do Benin.
dialética, o mina32 que é
bastante popular, constitui uma língua veicular utilizada por todo o país, bem
como informa que o Éwé é ministrado em escolas de primária no Togo.
Vale
ressaltar a dificuldade do compreendimento dessa variante lingüística nas
comunidades religiosas de nação Jeje, como bem exemplificou em fato apresentado
por Ferretti (1996b:287) sobre a língua falada na Casa das Minas, templo
religioso erigido na cidade de São Luís do Maranhão, fundado a cerca de um
século e meio.
Por
motivos metodológicos, utilizar-se-á o dicionário de Rongier (1995a), cujo
alfabeto assim composto:
a b d dz e f g
gb h i k kp l m n ny p r s t ts u v w x y z33
Como
se observa, a língua Éwé em sua forma original é composta de trinta
grafemas e cinco dígrafos que correspondem às realizações fonéticas possíveis,
a exceção de /e/, /dz/ e /ts/ que podem haver outras realizações Rongier
(2004b).
Não
será feita análise pormenorizada do idioma, uma vez que não representa a
maioria das palavras aqui estudadas, apesar de que sempre que for necessário
utilizaremos do material de Rongier (2004b), uma vez que lá bem estão definidos34.
32 Que
aqui no Brasil são chamados de negros Mina, cuja origem deu o culto aos Voduns
e o Tambor-de-Mina do Maranhão; para saber mais sobre a origem do culto do
Tambor-de-Mina do Maranhão leia Ferretti (1996b).
33 Em
relação ao alfabeto, manteve-se as formas aportuguesadas para uma melhor
compreensão do leitor, porém existem outros símbolos gráficos para o Éwé,
que serão resgatados na medida das necessidades de compreensão do texto.
34 A
pronúncia é a mais considerável dificuldade do estudo do Ewe, que é uma língua
de tons, isso significa que no momento da mudança da tonalidade de uma palavra
na música é feita, muda-se o significado desta palavra.
Imagine uma seqüência
musica do ré mi fá sol la si. Pronuncie, por exemplo, a palavra [to] no mesmo
tom da nota musical si, ela significará montanha. Pronuncie-lhe [to] no mesmo
tom da nota musical ré e ela significará búfalo.
Para distinguir os tons, utiliza-se de acentos sobre as vogais.
Como, em Ewe, não existem dois tons concernentes (alto e baixo), o tom baixo
que é menos freqüente, será sinalizado por um acento grave.O léxico do Candomblé.
A
proposta desse artigo que foi parte de minha pesquisa é realizar uma breve
avaliação lingüística das comunidades religiosas afro-brasileiras, tomando por
base os idiomas “africanos” falados nos Candomblés. Quando ao aspecto
diacrônico do falar africano para o português esse está exaustivamente
explicitado por Costa Neto (2006).
Daqui
por diante passemos a alguns casos especiais, o primeiro relacionado aos
iniciados, a quem são atribuídos o domínio da língua-de-santo, ou seja, o
conhecimento das músicas sacras religiosas existentes, chamadas orin35 além
de outros meios de comunicação entre os deuses do panteão afro-brasileiro, as
invocações ou orikis36 que são pronunciados em diversas
ocasiões e variam entre os ritos iniciáticos até as comemorações públicas.
Para
tanto, observar-se-ão entre os falantes dos Candomblés, no seu cotidiano, como
é empregada pelos seus membros, sem contudo, sem saberem ao certo sua
procedência ou origem, ao que os estudiosos atribuíram a expressão de
gíria-de-candomblé, Castro (2001).
Algumas
sentenças ou palavras do uso diário dentro dos Candomblés, da chamada
língua-de-santo, em relação às pesquisas até o momento realizadas, merecem
revisão, para tanto, alguns exemplos:
bajé (adjetivo37):
menstruação38;
daí a sua proibição de participar de qualquer cerimônia religiosa39;
cliente40 (adjetivo): toda
pessoa que procura um terreiro com a intenção de
35 Para
cada divindade do panteão afro-brasileiro lhe é atribuída uma cantiga.
36 A
cada Deus afro-brasileiro lhe é atribuído uma invocação específica, cuja
tradução significa saudar ou louvar àquele que deu origem.
37 A
classificação como adjetivo se deu em função do estado em que a mulher se
encontra, e não o fenômeno físico sofrido pela mulher.
38 Cf
(Castro, 2001).
39 Informação
colhida por nós.
40 Nesse
caso é importante fazer uma observação acerca dessa qualificação, a pessoa que
procura o Candomblé deve ser alertada que quando existe a cobrança pecuniária
pela consulta passa a existir uma relação de consumo, o que estaria bem
inserido para a denominação proposta pelo povo-de-santo; porém ocorre é o
contrário, atende-se como cliente qualquer um buscar
solução para seus problemas, quer sejam pessoais ou espirituais, através da
consulta pelo jogo-de-búzios41 ou entidades incorporadas42 e por
fim com a prática dos atos necessários a realização dos seus desejos.
disposto a desembolsar valor financeiro com a chamada consulta,
chega-se inclusive a ser negociado em feiras tais práticas; daí não se deve
confundir o sacerdote afro-religioso com o vendedor ou comerciante.
cliente filho (adjetivo):
aquele que está integrado e participa das atividades dos terreiros, como também
colabora financeiramente por todas as práticas realizadas dentro dos terreiros;
costuma pagar pelos ritos iniciáticos; também conhecido como abiã43;
Cliente não
filho (adjetivo):
aquele que está integrado as atividades dos terreiros, porém não é iniciado;
chochar44 (verbo): ato do
adepto do Candomblé em dizer que uma cerimônia está sendo conduzida de forma
errada pelo despreparo do dirigente; além de vir acompanhado pelo gesto físico
de passar o dedo indicador nos lábios superiores durante a cerimonial;
cosi (adjetivo): do iorubá kosè;
aquela pessoa que falta conhecimento; considera-se àquela pessoa iniciado
ou não nas religiões afro-brasileiras que lhe é atribuído ser leigo ou não
saiba desempenhar a contento qualquer atividade religiosa dentro dos
Candomblés;
41 Prática divinatória muito
utilizada nos terreiros que compreende um jogo com dezesseis búzios que de
acordo com posição deles definem os anseios do consulente.
42 Fenômeno comum entre as
religiões afro-brasileiras.
43 Antes de passar pelo
primeiro rito iniciático é comum ser chamado nos terreiros de nação Queto,
porém utilizado pelas demais nações de Candomblé.
44 Nei Lopes (2003b:227) afirma
ser de origem do quimbundo xoxa, que significa escarnecer, bem como
pertencente a gíria dos Candomblés de Nação Banto; todavia, inicialmente
acrescente-se a informação que o verbo também é utilizado em todas as demais
nações de Candomblé; quanto ao termo escarnecer apresentado pelo mesmo autor,
não se pode ratificar a presente informação acerca da sua origem, talvez porque
não dispormos de outros materiais como fonte de consulta; todavia, nas fontes
pesquisadas, que faz parte do material estudado pelo autor, ratifica sua origem
como do quimbundo xoxa, o que não é recomendável; estar-se-ia mais
inclinado a afirmar ser origem é do quimbundo xinga, pois a função da
palavra é mais no sentido de ofender, descompor, afrontar, injuriar, e como vem
acompanhado de gestos físicos, corrobora a hipótese.
equê45 (verbo): fingir
passar este em estado de transe; sem necessidade de ser ou não iniciado, apenas
dizer que recebeu o santo46;
fundamento47 (substantivo):
segredo; tudo que não pode ser revelado aos não adeptos das religiões afro-brasileiras
e aos iniciados ainda nos primeiros tempos de aprendizado; objetos sacralizados
de forma votiva;
marmoteiro48: (adjetivo)
qualidade do sacerdote ou que se diz sacerdote, bem como sabedor de preceitos
religiosos do Candomblé considerado como não conhecedor dos preceitos
religiosos que não tenha sido iniciado; qualquer sacerdote que não pertença à
linhagem dos candomblés dos membros de um terreiro;
mascar chiclete (gíria-de-Candomblé):
designação usada por membros ou não de um Candomblé quando em uma cerimônia,
oportunidade em que certo indivíduo
45 Houaiss
apresenta como do iorubá mentira a partir dos estudos de Cacciatore; o mesmo
afirma Nei Lopes; porém devemos fazer uma observação, ao verificar o dicionário
de iorubá de Sachnine, apresenta-o como tradução para mentira as palavras em
ioruba iró, puró, daí teríamos como concluir que a
derivação da palavra se coaduna mais com uma história que nos foi relatada.
46 Observou
que os autores de dicionários falam ser o termo originário do iorubá mentira,
em razão da ausência de uma formação ortodoxa, que somente àqueles que passam
pelo efeito do transe é que podem praticar tal ato, todavia, nos foram
apresentadas outras explicações: a primeira, diz ser a qualquer membro ou
adepto que se diz estar incorporado, então é comum dizer que ele “estava de
equê”, pois mesmo iniciado com formação ortodoxa, não possui a manifestação dos
orixás; segundo, pessoas iniciadas e que não se manifestam com os orixás, dizem
estarem manifestados pelos orixás ou demais encantados, como no exemplo que nos
foi apresentado, em que uma equede, sacerdotisa do sexo feminino que não se
manifesta com orixás ou demais entidades, com o intuito de participar da
cerimônia, fez-se passar por incorporada com o intuito de dançar. Nossa
conclusão é que não se pode atribuir ao pai-de-santo sem iniciação como afirma
o dicionário Aurélio e nem sem formação ortodoxa, conforme o dicionário
Houaiss, o mesmo ocorre com Lopes (2004).
47 Lopes
(2004) afirma ser o recipiente em que se colocam ou plantam os objetos que
simbolizam a força do orixá. O que nós discordarmos, pois como ele mesmo afirma
ao dizer que se “plantam” os objetos é costumeiramente chamado de plantar o
fundamento ou o axé, ou como diz Cacciatore (1988), “assentar” o orixá ou como
outra forma de referência; Cacciatore (1988:129) apóia a afirmação ao dizer
serem os “fundamentos” como os assentamentos que contêm axé.
48 Nossa
definição está ratificada em (Cacciatore:171); apenas no que diz respeito a
origem da palavra é que a autora informa não ser confirmada a palavra em
dicionários de origem africana; porém, nós podemos afirmar ser a origem do
francês marmotter verbo, merecendo tão-somente sua atualização.
não
consegue “cantar” a música religiosa usa do subterfúgio de disfarçar como se
estivesse mascando uma goma de mascar;
metá-metá (gíria-de-Candomblé):
serve para designar a palavra metade49; ou a mesma coisa que
meio-a-meio, normalmente utilizada para designar uma pessoa que possui dois
orixás50;
moda-de-madureira
(gíria-de-Candomblé):
indumentária usada pelos santos nos Candomblés em cerimônias litúrgicas
normalmente adquirida no Mercado de Madureira, Rio de Janeiro; também observada
nos desfiles de carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro;
pacó (adjetivo): nome
dado a pessoa que não estaria bem mentalmente; insano; demente;
pagar o chão (gíria-de-Candomblé):
recebimento de valor em pecúnia pelo dirigente do terreiro quando qualquer
pessoa se submete a realização de serviços prestados em cerimônias iniciatórias
ou não;
quê-quê (gíria popular
do Brasil): adaptada ao Candomblé51; termo usado para dizer que
está bem relacionado com a entidade;
rodante52 (gíria-de-Candomblé):
àquele membro da comunidade afro-brasileira que se manifesta com o orixá
(possessão);
viçudo (gíria-de-Candomblé):
indivíduo considerado cheio de vícios, ou seja, sob a alegação de que estaria
com vícios relativos aos aspectos religiosos dentro de certa comunidade
religiosa;
virar-a-folha (gíria-de-Candomblé):
indivíduo que quando iniciado em religiões afro-brasileira pode ser
transformado em homossexual, sob a alegação de
49 Que
a origem no iorubá corresponde ao ìdajì.
50 Vale
lembrar que méjì em iorubá corresponde a dois.
51 Para
melhor entender, temos aqui o exemplo “você tem um certo ‘quê’ comigo”.
Termo
bastante conhecido entre os adeptos; registrado por Prandi (2005c:11) como
sendo somente aos filhos-de-santo, ou seja, os iniciados na religião, o que não
é uma verdade, eis que comum a manifestação nos também não-iniciados. 52
haver
o sacerdote alterado seus preceitos ritualísticos durante a iniciação;
unquetola (gíria-de-Candomblé):
termo usado para designar com desdém que os praticantes de determinado terreiro
pertencem a nação de umbanda-queto-angola.
Conclusão
A
língua-de-santo por ser o meio de comunicação e integração dos membros das
comunidades religiosas afro-brasileiras constitui-se de um vocabulário
específico a cada nação, todavia, sem abandonar o Português falado no Brasil.
Sua
distinção do falar entre os adeptos pesquisados dar-se-á da seguinte forma: não
iniciados, àqueles que não dominam a linguagem dos terreiros ou as palavras de
origem africana; iniciados, com pouco domínio da linguagem do terreiro e da de
origem africana; iniciados, com conhecimento da linguagem exclusiva de sua
nação, sem conhecerem a origem das línguas africanas; iniciados com
conhecimento em todas as nações, mas sem domínio sobre as línguas africanas;
não iniciados com perfeito domínio sobre sua língua de sua nação e das demais e
com conhecimento das línguas africanas; não iniciados, com completo domínio
sobre as línguas de todas as nações e domínio sobre as línguas de origem
africana; todos os adeptos pesquisados, obtiveram como fonte de seu aprendizado
a via oral, dentro das comunidades dos terreiros.
Vale
lembrar que a tentativa de padronização dos cultos praticados no Brasil, pelo
modelo lingüístico Sudanês ou Iorubá deve-se a participação dos pesquisadores
que, quando abordaram o tema, estavam intimamente ligados aos cultos de origem
iorubá, como por exemplo Rodrigues (1906) que concentrava suas pesquisas no
terreiro do Gantois predominantemente iorubá, o mesmo ocorrendo com
Bastide (1971) ao conceber o modelo como tradicional, da mesma forma como
Arthur Ramos, Pierre Verger, Vivaldo da Costa Lima,
Édison Carneiro apoiaram suas pesquisas em terreiros de tradição nagô ou
iorubá.
O
léxico das comunidades religiosas afro-brasileiras é demasiado extenso,
merecendo um detalhamento maior desse universo de falantes, uma vez que citam
apenas sua influência na culinária e no campo religioso, o que não pode ser
considerado como verdade única.
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