quarta-feira, 7 de março de 2012

Introdução ao estudo de Exu (Èşú)


Mário Filho*

Não creio que seja possível falar em Èşù, seja em sua forma de arquétipo popular, seja em seus fundamentos e desenhos originais, sem que se faça, pelo menos, uma incursão rápida por dois temas: a vinda dos africanos e das religiões africanas que deram origem ao Candomblé no Brasil, através da diáspora que o processo de escravidão negra representou; e como conseqüência do mencionado, se refere à questão do sincretismo.
No final do séc. XV inicia o que pode ser considerado como tráfico negreiro. As primeiras experiências são feitas na Ilha da Madeira e Porto Santo. Depois os africanos também são enviados para os Açores e Cabo Verde. Na metade do Séc. XVI são trazidos ao Brasil.
Com o apoio de quase todos os governos da Europa, começa uma forma de mercado que permite grandes lucros- a compra de escravos nas costas da África, seu transporte e sua venda como mercadoria. Vários países insistem, então, nessa atividade e muitas rivalidades aparecem da competição entre França, Inglaterra, Holanda e Portugal. Na América, recentemente “descoberta”, os grandes latifúndios exigem cada dia mais braços vigorosos para o trabalho de campo. Os negros trazidos da África pertenciam a várias culturas. Este contingente, segundo Arthur Ramos, mencionado por Bastide, pode ser dividido em quatro grupos :
- sudaneses – correspondem aos negros trazidos da Nigéria, do Daomeh e da Costa do Ouro. São os Yorùbás, Ewe, Fon e Fanti-Ashantis (chamados mina), Krumanos, Agni, Zema e Timini;
- civilizações islamizadas - sobretudo representadas pelos Peuls, Mandingas, Haussa, Tapa, Bornu e Gurunsi;
- civilizações bantu do grupo angola-congo – representadas pelos Ambundas (Cassangues, Bangalas, Dembos) de Angola; Congos ou Cambindas do Zaire e os Benguela;
- civilizações bantus da Costa - representadas pelos Moçambiques (Macuas e Angicos).
Quando os primeiros africanos chegaram ao Brasil, a Coroa de Portugal criou uma lei que determinava, em seu primeiro artigo, que todos deveriam ser batizado na religião católica. Caso o batismo não fosse cumprido num período de pelo menos cinco anos, as “peças” deveriam ser vendidas e a importância relativa a esta transação comercial revertida para a Monarquia.
Outros artigos importantes dessa lei, como a duração da escravidão por um período não superior a dez anos, foram sendo, pouco a pouco, alterados para que, na verdade, a lei nunca fosse executada, excetuando-se o batismo cristão. Essa legislação ajudava as relações entre o governo português e a Igreja católica, e a teologia da Igreja Católica com respeito à África, aos Africanos e à escravidão.
A tese de que a África era a terra da maldição, é defendida, então, por vários teólogos cristãos. O sacerdote Antônio Vieira, em seus Sermões (XI e XXVII) afirma que a África é o inferno de onde Deus se digna retirar os condenados para, através do purgatório da escravidão na América, finalmente chegar ao paraíso. O mesmo sacerdote, no Sermão XIV, de Rosário à Fraternidade dos Escravos Negros, elaborado em 1633, ao comentar o texto de São Paulo (Coríntios 12,13), diz que os Africanos, batizando-se antes de seu embarque da África à América, devem agradecer a Deus porque eles escaparam da pátria, onde viveram com os pagãos, entregues ao poder do diabo. E disse que todos os africanos irão para o inferno, onde queimarão durante toda a eternidade. Todavia em outro sermão, Vieira diz que, para ele, a catividade do Africano, na América, é uma catividade menor, pois só alcança o corpo. Assim a alma não está mais cativa, libertou-se do poder do diabo que governa a África e o escravo, no Brasil, deve tentar conservar essa liberdade da alma, para não cair, de novo, sob o domínio dos poderes malévolos que reinam na África.
Em 1873, uma oração para a conversão dos povos da África Central à Igreja Católica, escrita pela Escrivã da Sagrada Congregação das Indulgências, dizia assim: “Oremos pelos povos mui miseráveis da África Central, que constituem a décima parte da humanidade, para que Deus, Onipotente, tire, finalmente, de seus corações a maldição de Caim e lhes dê a benção que só podem conseguir em Jesus Cristo, nosso Deus e Senhor: Senhor. Jesus Cristo, único salvador de toda a humanidade, que reina de mar a mar e do rio até os confins da terra, abra com benevolência teu sagrado coração às almas miseráveis da África que até o momento estão na obscuridade e nas sombras da morte, para que pela intercessão da Puríssima Virgem, tua Mãe imaculada e de São José, havendo abandonado os ídolos, se prostrem diante de Ti e se unam à Tua Santa Igreja”.
A visão teológica que se demonstra estabelece a relação entre: religiões africanas dos dominados e a religião branca (européia e cristã) dos dominadores, seja na América e, particularmente, no Brasil, seja na África durante os processos colonizadores. Do encontro, além do impacto, dessas duas culturas, dessas duas cosmovisões, desses dois troncos religiosos, o sincretismo aparece. Realmente, aqui ou na África, o homem branco foi o primeiro que quis acercar-se às divindades Africanas, para ajustá-las e adaptá-las ao Catolicismo, em particular, e ao Cristianismo, em geral. Era necessário, sem dúvida, que, com a introdução das pessoas Africanas na religião católica, através do batismo obrigatório, se processasse o vazio de sua identidade e o dano de suas possibilidades de resistência cultural.
Penso que o sincretismo, diferentemente do que propõem muitos estudiosos e líderes religiosos, se constituiu mais em um desenvolvimento de uma estratégia branca de dominação, que um movimento de resguardo de valores e de resistência à dominação cultural e religiosa por parte dos homens negros. Assim, não posso deixar de pensar que o sincretismo produz perdas significantes dos valores e da cosmovisão africana. Representou a redução da capacidade dos africanos de resistir à dominação e não lhes garantiu valia e identidade durante o processo de escravidão. Na medida em que a abolição não trouxe aos afro-descendentes possibilidades eficazes de exercício da cidadania, podemos dizer que os resultados negativos do sincretismo religioso persiste até os dias de hoje, trazendo para a maioria da população brasileira, constituída de afro-descendentes, baixa auto-estima, auto-imagem negativa e dificuldade de definir e assumir sua identidade. Podemos enumerar como as conseqüências mais significantes do sincretismo:
- a perda do caráter monoteísta das religiões de matriz Africana: durante a formação do processo sincrético sucedeu nas religiões afro-descendentes, quase que de forma geral, uma perda de sua base monoteísta. Isso se estendeu pelo tempo que, todavia hoje, muitos sacerdotes da religião de Òrìşà consideram sua religião como politeísta e os Òrìşà como deuses, trazendo, como conseqüência, uma visão interior da religião que a reduz à dimensão de seita e una visão externa que a define como panteísta, primitiva, bárbara e fetichista. Perde-se, assim, sem dúvidas, a dimensão do sagrado, o status de universalidade e de revelação que lhes são próprios e a respeitabilidade que merece ao lado das grandes religiões de humanidade. Tirar da religião seu caráter de monoteísta significa, antes de qualquer coisa, tirar das várias nações africanas sua identidade, sua força de unidade e de coesão;
- perda das respostas sociais de inserção do indivíduo no sagrado: com o sincretismo se obrigou aos Africanos, para que eles pudessem desfrutar algum, ainda que mínimo, reconhecimento social, parar nas mãos dos sacramentos da Igreja Católica para sua inserção no sagrado. Assim, até hoje, as comunidades-terreiro não ajudam seus seguidores e crianças com suas liturgias próprias para esses assuntos, como “batizado” e matrimônio. Os rituais como o Ìkómọjáde (batizado), o Ììsọmọlórúkọ (cerimônia de dar o nome à criança), o Ìgbéyàwó (matrimônio), o âmbito da prática religiosa Yorùbá, por exemplo, se perdeu no tempo e poucas são as casas que os praticam. E mesmo os rituais de passagem (vida e morte) terminam por ser complementados ou, muitas vezes, substituídos pela liturgia católica. Em algumas Casas tradicionais do Candomblé brasileiro uma das instâncias do processo iniciatório do novo/a adepto/a (yàwó) é a passagem ritual por alguma Igreja Católica. Há, inclusive, Casas de Candomblé que possuem uma Capela própria onde se rezam missas em homenagem aos novos iniciados.
- redução do valor e grandeza dos Òrìşà: Os Òrìşà são espíritos puros criados por Ọlórun(OLÓDÙMARÈ), Deus, como os princípios universais no processo da Criação. A comparação com os santos católicos, as pessoas que viveram segundo os valores da Igreja católica e que, por isso mesmo, depois de sua morte foram santificadas, reduz o tamanho e a dimensão dos ÒRÌŞÀ. Isso, sem dúvida, acaba contribuindo para a construção de uma representação torcida, endossando o estereótipo dos africanos uma vez mais como pessoas inferiores, enquanto contribuem para afetar a auto-estima e auto-imagem do afro-descendente. Associa-se a isso que seus valores, seu respeito pelo antepassado e suas raízes religiosas, estão reduzidas e subordinadas aos valores e formas das pessoas brancas e sua cosmogonia é absorta e dominada pela cultura dos senhores de escravos;
- a reprodução de alguns modelos de escravidão nas relações de poder e autoridade nas comunidades-terreiro: até hoje, em algumas comunidades-terreiro, as relações de autoridade reproduzem modelos da relação senhor-escravo, em uma condição que supera em muito as dimensões do princípio da senioridade, do awó (mistérios do culto) e do sagrado. Estabelece-se entre sacerdotes e iniciados, ou postulantes à iniciação, um desenho inteiro de relações que, muitas vezes, degradam o homem e a mulher, desacatando e sujeitando-os aos mecanismos impróprios para a plenitude da vida religiosa;
- degradação dos arquétipos: nesse encontro de divindades africanas e santos católicos, encontro em que as primeiros se põem sob os segundos, os arquétipos relacionados a cada Òrìşà terminam sendo degradados e até, muitas vezes, prostituídos, num processo penetrado pelas referências das morais católicas. Assim, quando possível, afastam dos Òrìşà sua vitalidade e características de sensualidade; quando não, sua dimensão se põe em um quadro “pré-conceitual” e moralista que alteram profundamente o espaço que ocupam e o papel que levam a cabo no âmbito de uma cosmovisão rica e completa. Nesse processo, sem dúvida, deliberado, de tirar dos escravos o apoio religioso e cultural capaz de assegurar a resistência eficaz à dominação do espírito, os Òrìşà estão deformados e se puseram pequenos. Melhor exemplo é Èşú:
- Quem é esse homem das travessuras, muitas vezes bêbado, sempre sem-vergonha e disposto a desviar os homens dos caminhos perfeitos?
- Quem é essa ilustração diabólica, instrumento do mal, tão próximo dos homens pecadores?
- Quem é essa imagen de Satanás, inimigo de Deus e terror dos homens de bem? O vagabundo, o contrário à ordem e às estruturas?
- Essa figura perigosa, sempre colocou o mundo e as pessoas em perigo?
- Esse mesmo Èşú que é o senhor entre os Òrìşà? Esse mesmo Èşú que é o líder de Òrìşà, o primogênito do Universo, a primeira estrela a ser criada? O menino querido de Ọlọrun-Olódùmarè? Pois é exatamente assim que Èşú é chamado em muitos Ìtàn (lenda) do corpo literário de Ifá, as estruturas do conhecimento oral receptoras da revelação da religião, o rico grupo de conhecimento oculto e os registros históricos da tradição milenar africana. Inspetor de Ọlọrun-Olódùmarè desde o início dos tempos, o Zelador de Deus. Esses são mais alguns de seus títulos no seio da religião afro. É esse Èşú que conheço! É esse o qual chamamos de Èşú Òdárà, aquele que abre os caminhos e atrai prosperidade, ou melhor, é Èşú que apóia a seu filho incansavelmente. Quando entramos em contato mais profundo com as orações, louvores e saudações feitas a Èşú, somos enviados, necessariamente, a uma análise mais profunda do Òrìşà Èşú do que aquela que nós normalmente encontramos divulgados em livros ou sites de Internet.
Èşú é o guardião e diretor de todas as coisas da Criação. Sua associação íntima com o Criador, como aquele que trabalha ao Seu lado, é transparente em seus títulos com os quais é nomeado. Podemos inferir, por isso, que Èşú garante o curso ou o desenvolvimento do projeto de Ọlọrun-Olódùmarè pela Criação, enquanto assegura a continuidade e dinâmica de todos os processos com vista à primazia da ordem em todas as realidade.
Confirmando este enfoque, podemos concluir: a caminhada de todas as pessoas, o trabalho e os deveres de cada Òrìşà estão sob regular mando de Olórun-Olódùmarè, porém, para auxiliá-LO, surge Èşú como Inspetor Geral de Òlórun-olódùmarè.
Olòrun-Olódùmarè executa Seu projeto através de Seus Ministros, assiste e acompanha Sua obra, define Seus princípios e movimentos. Assim, Seus Ministros (Òrìşà), sobretudo Èlà (Òrúnmìlà) e Èşú, são Sua extensão e maneira de exercer Sua Onisciência, Onipresença e Onipotência.
Em um Ìtàn (lenda) do Odù Òşé Òtúrá encontramos essa questão claramente posta quando vemos que ÒRÚNMÌLÀ ao chegar no ÒRÚN para descrever a Olòrun-Olódùmarè o que acontecia na terra, ali encontrou Èşú Òdárà que, aos pés de Olódùmarè, fazia seu informe. Assim, quando Olòrun-Olódùmarè recebeu ÒRÚNMÌLÀ, Ele já sabia dos problemas que se passavam na terra com os Òrìşà. Para executar seu trabalho, de fato, Èşú está presente em todos os espaços, e próximo de cada ser vivo, formando uma unidade com cada Òrìşà. Igualmente ele está presente nas cidades, nas vilas, em cada rua e casa, exercendo seu papel como o princípio dinâmico de comunicação e individualização de tudo: Èşú é os olhos, ouvidos e a presença de Ọlọrun-Olódùmarè em todo o Universo.
Citaremos dois Ìtàn (lenda) sobre Èşú: O primeiro narra que no princípio dos tempos nada existia além do ar. Ọlọrun-Olódùmarè era um massa infinita de ar que quando começou a se mover, tomou uma parte de Seu próprio ar para transformá-lo em uma massa de água, originando Ọbàtálá chamado de ÒRÌŞÀNLA, o grande ÒRÌŞÀ funfun. O ar e a água se moveram conjuntamente e uma parte se transformou em barro. Desse barro surgiu uma espuma, a primeira matéria dotada de forma, dessa espuma brotou uma pedra vermelha e barrosa. Ọlọrun-Olódùmarè admirou essa forma e soprou sobre ela Seu hálito e lhe dando vida. Essa forma, a primeira dotada de existência individual, uma pedra de laterita, era Èşú - Èşú Yangí. Por esse Ìtàn se reconhece que Èşú é o primeiro nascido, o primogênito do Universo. Ele também é o terceiro elemento, nascido da interação entre o ar e água e, assim, ÒRÚNMÌLÀ, em um Ìtàn do Odù Òtúrá Méjì que fala sobre a vinda de ORI para a terra, chama ÈŞÚ de terceira pessoa.
O segundo Ìtàn é do Odù Èjìogbè Ọwọnrìn que fala da multiplicação de Èşú yangí ao infinito pela ação de ÒRÚNMÌLÀ, num processo que permitiu que Èşú povoasse todo o Universo e definiu as condições para ele exercer o papel de Inspetor Geral. Ao mesmo tempo, segundo esse Ìtàn, o processo gerou o contrato entre Òrúnmìilá e Èşú, definindo para Èşú o papel do executor dos projetos e diretor dos destinos, aquele que garantirá a execução das regras de Ifá. ÈŞÚ YANGÍ é chamado pelos Yorùbá de OBÀ BÀBÀ ÈŞÚ, Rei e Pai de todos os Èşú. Essa saudação e esse Ìtàn nos remete ao assunto de que existem muitos Èşú, todos mantendo a mesma natureza: multiplicação que se fez necessária para que houvesse a particularização devida no processo de povoamento do Universo. Particularmente a terra, onde vemos no Ìtàn do Odú Ogbè Ìretè que mostra àgbà Èşú liderando-os na chegada ao Àíyé (o mundo material) e designando-os para seus diferentes propósitos. O Ìtàn diz que Ọlọrun-Olódùmarè criou Èşú como um ebora muito especial e que Èşú tem que existir para afrontar a cada pessoa e a cada ÒRÌŞÀ.
Esse Ìtàn, além de nos dar a noção da individualização e conseqüente especialização de Èşú na terra, em particular, e na Criação, no sentido geral, envia-nos ao Ìtàn do Odù Òtúrá Méjì que diz: "Èşú disse que quem tem a prosperidade na terra tem que separar a parte dele; que aquele que procriar na terra não pode deixar Èşú para trás; aquele que quer prosperidade na terra não pode deixar Èşú para trás. Èşú pergunta ao OrìÌ se ele não sabe que Èşú é o mensageiro de Ọlọrun-Olódùmarè?"
Se falamos que Èşú é o “diretor dos destinos” isso nos remete imediatamente ao fato de que Èşú é como o “diretor dos caminhos” e lembramos a associação que se faz de Èşú e as encruzilhadas, a representação por excelência da multiplicidade de caminhos e da geração e da imposição de alternativas e possibilidade. Destino e encruzilhadas estão, sem dúvida, intimamente ligados. Ao mesmo tempo que está em todos os lugares e em todas as formas criadas, Èşú está simbolicamente representado pelas encruzilhadas, de onde assiste e acompanha todas as opções feitas pelos homens em sua caminhada pela vida.
De fato, um Ìtàn do Odú Èjìogbè Méjì diz em certa parte: Èşú foi e se sentou na encruzilhada. Todos os que se dirigiam a Olórun-Olódùmarè teriam que dar algo a ele; e todos os que voltavam deviam dar-lhe algo, também". Esse Ìtàn nos mostra a íntima relação entre Èşú e os ÒRÌŞÀ. É necessário reforçar a idéia que Èşú executa para os ÒRÌŞÀ o mesmo papel que executa para as pessoas humanas. Assim, ele os assiste, acompanha, regula e os corrige. Muitos são os Ìtàn e ODÙ que falam a respeito deste especial papel e a conseqüente superioridade de Èşú sobre os demais ÒRÌŞÀ. Esquecendo o Ìtàn do ODÙ Òsé Òtúrá Méjì que diz como Èşú assumiu a superioridade sobre os demais ÒRÌŞÀ, podemos nos referir, em particular a um Ìtàn do ODÙ Ògúndá Méjì que diz, referindo-se a um diálogo dos BÀBÀLAWÓ com Òsanyìn, após a luta deste com Èşú. Os BÀBÀLAWÓ perguntaram a Òsanyìn: “- Você foi lutar com Èşú Òdàrà, que é mais forte que você? Você não sabia que Èşú é o líder dos ÒRÌŞÀ? Não há qualquer ÒRÌŞÀ que desafie Èşú! Por esse desafio feito a Èşú não podemos fazer nada por você!”
Qual ÒRÌŞÀ, por sua dimensão cosmogônica, por suas características de princípio dinâmico associadas à Criação, a Olórun-Olódùmarè e a todas as coisas, poderia servir de base à grande resistência que se fez necessária frente à dominação, seja física, cultural, ou religiosa, que a escravidão fez?
Qual ÒRÌŞÀ, além de Èşú, poderia garantir a sobrevivência da identidade e da cosmovisão negra na América europeizada e cristianizada?
Quem, além de ÈŞÚ, para recordar ao dominado o pacto estabelecido por DEUS, Olòrun-Olódùmarè, com Sua Criação, incluindo o grupo humano, de que, nesse momento, os Africanos eram os degradas pela escravidão e pelo barbarismo branco?
Quem, além de ÈŞÚ, para recordar ao dominante branco, teólogo do racismo, do prejuízo e da discriminação, sua culpa ante seu próprio DEUS e alma? Foi necessário depreciar, prostituir e degradar ÈŞÚ completamente. Foi necessário reduzir suas dimensões no Universo. Foi necessário colocá-lo em confronto com DEUS e com os homens. Foi necessário inseri-lo numa visão manifesta de contrários, de oposição entre o bem e o mal. Foi importante privá-lo de capacidade de zelo e guarda sobre os dominados, instrumental possível de resistência e luta. Foi fundamental dissimular seu papel dialético, seu princípio dinâmico e vitalizador da Criação, negar a ele o propósito e fundação na ação divina. Olòrun-Olódùmarè verte continuamente em Sua obra o ÀŞÈ que garante durabilidade e sucesso do qual ÈŞÚ é o guardião e transportador desse elemento essencial aos processos de individualização no sistema e para a personificação do homem na relação de filiação com Ọlọrun-Olódùmarè. Sem dúvidas a teologia católica sobre a África e os africanos não confirmaria isso, infelizmente!

ÀŞÈ, ÀŞÈ, ÀŞÈ

Fonte: Omiloba, Aworeni Ifa Orilana. Esu.

*Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, com Especialização em Políticas Públicas de Gestão em Segurança Pública e Ciências da Religião, Mestrando em Ciências da Religião (todos pela PUC/SP)

Um comentário:

  1. Que venham os textos científicos. Pois, não é isso o que querem?! Que venham todos então. Ori ba wá, Olodumaré!


    Fomo T'Ògún Mèjé.

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