sexta-feira, 4 de maio de 2012

Transmissão de conhecimento.


O conhecimento é produto da vivencia cotidiana no terreiro, concretizando–se por meio de uma relação interpessoal. Ouvir os cantos, as histórias exemplares e os comentários litúrgicos dos mais velhos é fundamental na perspectiva religiosa. A palavra ocupa um espaço significativo, sendo-lhe atribuído o poder de veicular Axé.
Os textos, falados ou cantados, assim como os gestos, a expressão corporal e os objetos-símbolo, transmitem um conjunto de significados, determinado pela sua inserção nos diferentes ritos, reproduzindo a memoria dinâmica do grupo, reforçando e integrando os valores básicos do egbé por maio da dramatização dos mitos, que revivem a história: Os itàns, os oriki, os òfó.
Os òfó seriam frases ou cantos destinados a ativar o axé das folhas, raízes e cascas das plantas, indispensáveis ao preparo dos remédios, banhos e defumações utilizados nas comunidades de terreiro.
O processo de aprendizagem das formulas rituais, das rezas e dos textos dos cânticos ocorre  de maneira assistemática, e perdura por todo o tempo de vivencia do iniciado na comunidade de culto. Há sempre algo a aprender com os mais antigos: um gesto, uma diferente entonação, podem trazer diferentes significados, premiando a perseverança dos que sabem ouvir.
A transmissão do saber se desenvolve dos mais velhos para os mais novos, quando os primeiros reconhecem, nestes últimos, a capacidade e os considera socialmente identificados com as normas fundamentais do grupo, podendo, desta forma, ser portadores, e por sua vez transmissores de conhecimento.
                Este é o produto da vivencia de um processo iniciático adequado, que supõe uma relação interpessoal entre o mais velho (Ebômi) e um mais novo (Abiã), que depois de cumprir os rituais prescritos, passa à categoria de Iaô (iniciado).
O ciclo de aprendizagem tem seu começo formal durante o período de reclusão e não tem tempo previsto para seu fim. O saber e o conhecimento sobre mitos, ritos, danças, cânticos e outros aspectos ligados à liturgia são adquiridos progressivamente. Depende diretamente da assiduidade e dos períodos de permanência na casa de santo para o acompanhamento faz diferentes atividades e das experiências que emergem o cotidiano.
O formalismo das relações estabelecidas no seio desses grupos se baseia no principio da senioridade: os mais jovens devem sempre expressar respeito pelos mais velhos, sendo diligentes no cumprimento das ordens que recebem, não perguntando diretamente o “pro que” e o “como” das coisas, mais observando a conduta “daqueles que sabem”.
Os novos iniciados devem ser atentos – “de olhos e ouvidos bem abertos” – porem nunca dando a impressão de interesse, fazendo o que o grupo nomeia de “catar”, isto é, aprender de maneira indireta. Essa forma de observação abre ao noviço a possibilidade de legitimar os mais velhos, adquirindo a confiança necessária para ir, paulatinamente, penetrando nos mistérios da crença dos orixás (Cossad-Binin, 1981: 139-141).
Verger (1972: 6) ao se referir à transmissão do saber, afirma que a fala é o veiculo de àse, a palavra escrita é considerada despida desta força; a palavra para ter valor ela deve obrigatoriamente ser pronunciada; o conhecimento transmitido oralmente possui a força de uma iniciação, que não se dá a nível da compreensão racional, mas àquele dinâmico do comportamento. Este saber se alicerça sobre reflexos e não sobre a racionalização -  reflexos provocados por impulsos provenientes do acervo cultural pertencente ao grupo e que valem, principalmente para esse grupo.
A força do aprendizado que se fundamenta na perspectiva empírica, baseada na oralidade, constitui-se numa pedagogia iniciática pautada na observação contínua, que se converte em valores permanentes, permitindo que se estabeleça uma nova visão de mundo, apoiada em regras e princípios próprios da experiência religiosa.
O autor considera que a transmissão do conhecimento concernente às espécies vegetais, suas virtudes e aplicações é levada a efeito pelos Babalawôs e Babalossains: os primeiros “pais do segredo”, conhecedores de inúmeras historias (itàn) – base da adivinhação pelo sistema de Ifá  - e os segundos, “curandeiros herbalistas que pronunciam encantações – òfò- destinadas a ativar as folhas com as quais preparam seus medicamentos seus ‘trabalhos’.”
Assim o conhecimento a respeito das espécies vegetais e sua manipulação obedecem a critérios específicos contidos na perspectiva religiosa. Quatro categorias sacerdotaios partilham esse conhecimento: os Babalawôs, os Babalossain, os Babaojés e os Babalorixás ou Ialorixás. (Bastide, 1978:112)
Esses especialistas estão relacionados à adivinhação, a colheita de ervas, ao culto dos antepassados e ao culto dos orixás, `a época das pesquisas de Bastide, as duas categorias encontravam em processo de desaparecimento, porem ainda eram conhecidos alguns BABALAWOS (OLUOS) e BABALOSSAINS (OLOSSAIN). Costa Lima(1977:100), no final da década de 1960, ainda relacionado de BABALOSSAIN dentro das hierarquias vigentes nas casa de santo baianas.
Na África, o conhecimento do sistema de adivinhação de Ifá e a utilização do OPELÊ manipulados pelos BABALAWOS constitui um tipo de sacerdócio especifico. A originalidade brasileira consiste em incluir esse especialista entre seus quadros, apropriando-se parcialmente desses saberes. O mesmo ocorreu com os BABALOSSAIN, que, após serem integrados a hierarquia religiosa das casas de santo, desaparecem como sacerdote isolado, constitui-se, a partir daí, como um titulo honorífico relacionado ao conhecimento das plantas.
Na época de 1930, Landes (1967:46) relata as dificuldades vivenciadas por Martiniano do Bonfim para encontrar a quem legar o seu saber a respeito da adivinhação e dos vegetais. Fala, ainda, do difícil relacionamento dessas figuras com os pais e as mães de santos de então, que já procuravam conectar, no âmbito de suas respectivas casas, o poder desse conhecimento.
Na época da realização deste estudo, o mais conhecido OLUÔ – Agenor Miranda da Rocha -, originalmente ligado ao Axé Opó Afonjá, não participava das atividades cotidianas e regulares dessa comunidade, exercendo suas funções  em casos excepcionais. Suas atividades, tanto no que diz a respeito ao conhecimento do uso dos vegetais quanto à prática divinatória, eram exercidas num nível mais amplo, atendendo a pessoas pertencentes às varias comunidades.
Se o conhecimento e a utilização dos vegetais consubstancia um poder que atualmente se acha concentrado politicamente, isto é, sob a autoridade dos dirigentes máximos dos Ilês Orixás e dos Ilês Eguns, isso deve as transformações históricas que propiciam o deslocamento dessas duas categorias sacerdotais.
Entretanto, em decorrência desse mesmo processo histórico, esse saber se encontra também disseminado na sociedade abrangente, nas mãos de mateiros e vendedores de ervas que geralmente não possui vínculos iniciáticos com as casa de cultos; são independentes, prestam serviços e vendem mercadorias às diferentes comunidades religiosas e ao publico em geral, em praças mercados e feiras. A transmissão de conhecimento, nesse caso, processa-se de maneira transgeracional.
As condições atuais tornam os erveiros e mateiros impermeáveis ao apelo de uma vinculação às casa de santo, pois, segundo eles próprio dizem, isso lhe acarreta prejuízos matérias, impedindo –os de vender mercadorias e prestar serviços a um mercado mais amplo.
Esta inserção no modelo econômico da sociedade abrangente modificou o quadro da organização social dos terreiros. Permanecem, entretanto, o conhecimento das espécies vegetais como no interior das comunidades-terreiro com fora delas, nesse caso a forma não é iniciática. Dessa maneira, encontram-se mantidas as categorias imanentes a essa forma de visão de mundo, já que os mateiros e os erveiros compartilham dessa mesma forma de cosmovisão.
Pesquisa realizada por Fichte (1976), em Salvador, visando descobrir quais as substâncias vegetais que condicionam as transformações dos iniciados no candomblé – o fenômeno do transe -, apresenta alguns dados que reafirmam a nossa posição em relação à figura do BABALOSSAIN. Ele descreve “ Mario aproximadamente 45 anos, que coleta plantas para os mercados de Salvador há 25 anos [...] na encomenda de Folha-de-fogo trouxe cinco variedades. Ele mesmo prepara a mistura para trabalhos mágicos, porem  não é Pai de Santo, nem Ogã ou Filho de Santo.” (Fichte,1976:325)
Relata também a preocupação de sue informante de só “ensinar” a seu filho após ter concluído os estudos elementares, pois a mistura dos saberes poderia perturbar a criança, o que conota perfeitamente sua preocupação com a transmissão do conhecimento e o caráter transgeracional subjacente.
Um de nossos informantes, vendedor de ervas na Feira de São Joaquim, entre outros tantos, também insistia sempre na afirmação: “não pertenço nem quero pertencer a uma casa de santo, isto é uma escravidão...”. Ele conhecia as espécies por sua determinação YORUBÁS e receitava formulas mágico-terapêuticas com seu avô, mas mantinha-se afastado das casa de santo, como seu pai, embora o seu relacionamento fosse dos mais amigáveis com sua clientela, pais e mas de santo de Salvador e do Recôncavo Baiano.
A situação atual, conforme descrita a cima, conduz-nos a pensar que embora tenha ocorrido historicamente uma redefinição de papeis, esta não alterou profundamente o quadro das redefinições de papeis, esta não alterou profundamente o quadro das representações do grupo nem a importância dos vegetais na perspectiva religiosa.
  
Texto retirado do Livro A FLORESTA SAGRADA DE OSSAIN O SEGREDO DAS FOLHAS. De José Flavio Pessoa de Barros – Editora Pallas /2011 pags 45 à 48.                                                                      

Um comentário:

  1. Pois bem. Enquanto Educador devo dizer:

    1 - O conhecimento é um direito de todos;
    2 - A transmissão do conhecimento requer regras e normas;
    3 - O aprendizado é um processo que envolve a relação ensino/aprendizagem e, portanto, o ver, ouvir e experimentar;

    Pelo exposto, fica claro que não se deve deter o conhecimento para si em nenhuma hipótese. A experiência é vital, pois, segundo Confúcio "quando ouço, esqueço; quando vejo lembro; quando experimento aprendo".
    3 -

    ResponderExcluir